sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Jornal Vias de Fato de fevereiro: Perigo e Violência em São Luís!

Confira a íntegra da extensa matéria do Vias de Fato sobre o processo violento de tentativa de expulsão da comunidade do Cajueiro de sua área e os entraves que governos locais e grandes empresas têm trazido para a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, na Ilha de São Luís. A criação da reserva é um esforço necessário e de peso para o equilíbrio ecológico do ambiente insular, além de garantir tranquilidade para milhares de famílias de pescadores e pequenos camponeses da Ilha, sempre ameaçados por empresas como Vale, Alumar, termelétrica e outras que se apossam da área prometendo a redenção do Maranhão - com a bênção dos políticos - mas que só geram tragédias, como aconteceu com a refinaria da Petrobras ou outras já instaladas no local, mas que não são devidamente fiscalizadas.



Perigo e violência em São Luís!

Empresas ameaçam comunidade do Cajueiro e a criação de reserva


  • Após sucessivas derrubadas de casas, comunidade pressiona, expulsa jagunços e Governo do Estado revoga decreto do ex-governador Arnaldo Melo que entregava área à empresa WPR.
  • Impasse, contudo, não chegou ao fim: revogação está condicionada a estudos e pode ser revertida pelo próprio governo. 
  • Criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim (Resex Tauá-Mirim) pode solucionar conflitos na região. 
  •         Em toda a Ilha, dezenas de comunidades são ameaçadas: regularização fundiária é essencial para mudar essa realidade

  •     Secretário de Meio Ambiente suspende licença prévia de construção do porto da WPR, mas evita comprometer-se com a reserva ambiental em São Luís

  •    Veja também, nesta matéria, algumas das flagrantes ilegalidades cometidas por empresas e agentes públicos no caso do Cajueiro




Dia 31 de dezembro de 2014. O Diário Oficial do Estado do Maranhão traz a desapropriação da área da comunidade do Cajueiro, feita pelo então governador Arnaldo Melo, em nome da empresa WPR Gestão de Portos e Terminais, ou de quem a empresa determinar e designar para lhe representar. Dia 9 de janeiro, a população do Cajueiro, reunida na União de Moradores, ficou sabendo do Decreto de Desapropriação. No ar, um misto de desespero, revolta, perplexidade e também de resistência para enfrentar a situação. Dois dias depois, a WPR promove nova derrubada de casas na região: em dezembro, 19 casas haviam sido destruídas, entre estas, a da pequena Daniele Amorim, de 10 anos, cujo relato dramático da demolição da casa para a qual iria se mudar no final de ano comoveu milhares de pessoas na Internet.

A primeira derrubada de casas, que ocorreu dia 18 de dezembro, pondo abaixo 19 construções não tinha base legal alguma que lhe sustentasse. A empresa teria se baseado numa sentença dada pela justiça, emitida pelo juiz Eulálio Figueiredo quando este não tinha mais competência para responder pela Vara de onde saiu a sua decisão: ele respondia por ela até o dia 2 de dezembro, e a sentença, na qual a WPR se escorou para promover esse ato de extrema violência, foi dada no dia 5 de dezembro, quando ele não poderia mais fazê-lo. E mais: mesmo a extemporânea decisão do magistrado não falava em derrubar casas, restringindo-se a proibir novas edificações enquanto a questão não estivesse resolvida. A comunidade deve representar contra o juiz no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por dar uma decisão quando não tinha mais competência para fazê-lo. Outro detalhe é que essa sentença confronta com outra da mesma justiça maranhense, garantindo a posse dos moradores. Esta decisão favorável foi dada pelo juiz Douglas de Melo Martins em ação movida pelo defensor público Alberto Tavares, do Núcleo de Moradia e Defesa Fundiária da Defensoria Pública do Estado do Maranhão. A segunda derrubada, que atingiu mais três casas, ocorreu no segundo final de semana de janeiro deste ano, e veio após controverso decreto assinado pelo então governador Arnaldo Melo, praticamente na calada da noite, entregando a área para a WPR ou “quem quer que a represente”, conforme consta no Diário Oficial do último dia do ano de 2014, o último também de seu mandato.

Com todos esses ataques, nada mais restou ao Cajueiro senão ir para o enfrentamento. Assim, com a nova derrubada de casas, a comunidade colocou os capangas da empresa para correr. Por várias vezes as autoridades foram avisadas da presença de jagunços na área, mas até então nada de concreto havia sido feito para retirá-los do local: quando, em razão da mobilização da comunidade bloqueando a BR 135, membros das polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal chegavam para dar uma busca nos “seguranças” da empresa Leões Dourados na região, encontravam apenas os seguranças da empresa Atlântica, cujos registros, até onde se sabe, estão regulares. Leões Dourados é a empresa utilizada pela WPR para fazer o trabalho sujo da jagunçagem e de ameaças aos moradores: “Estamos sendo vigiados, e isso o tempo todo. Qualquer carro que chegue com algo que compramos, é acompanhado pelo carro deles, que fica de olho em tudo. Outro dia comprei uma caixa d’água e quando vieram entregar eles seguiram o carro o tempo todo. Qualquer carro que passe é acompanhado pelo ‘quatro por quatro’ deles, todo no vidro fumê. Não sabemos nem se não tem bandido lá dentro”, relatou um dos moradores.

A empresa Leões Dourados atua de forma irregular, conforme se depreende das declarações do delegado agrário dadas aos moradores (segundo ele, a Leões Dourados atua na ilegalidade, pois seu registro junto à Polícia Federal está irregular). Assim, a WPR contrata uma empresa com aparência legal para dar cobertura a outra, que atuaria de forma irregular. Dessa forma, sua presença no local reproduziria o contexto de grilagem pelo qual teria chegado ao local: ela alega ter a propriedade da área, que teria sido comprada de uma outra empresa proprietária de grandes áreas na zona rural de São Luís, uma transação até hoje não muito bem explicada e que, justamente por isso, pelos conflitos relativos à situação fundiária do local, este não poderia ser entregue de bandeja à WPR, no apagar das luzes do governo-tampão de Arnaldo Melo, muito menos a Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) ter concedido licença prévia para a construção de um megaporto na região. Até hoje não se tem notícias de investigação sobre a atuação da Sema, dos ex-governadores e de ex-secretários de Estado nesses episódios de violência e ameaças contra os moradores do Cajueiro.

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 O que falta para a criação da reserva em São Luís é apenas vontade política, já que seu processo de viabilidade encontra-se concluído no Ministério do Meio Ambiente. A Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, além de dar tranquilidade aos seus moradores, (12 comunidades da Ilha de São Luís, cerca de quinze mil pessoas) representa, ainda, a criação de um importante espaço de pesquisas, de preservação de reservas hídricas, de fauna e de flora. Além dela, no Maranhão, outras quatro reservas aguardam “OK” do Governo do Estado para serem criadas pelo Governo Federal. Quanto mais o tempo passar, mais perdem as populações e o meio ambiente.
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Comunidade pressiona, governo suspende decreto e licenciamento. 
Situação, contudo, segue aguardando determinação mais firme de respeito aos direitos humanos e às comunidades da Reserva de Tauá-Mirim

Com a reação da comunidade, inclusive dando visibilidade ao seu ato de expulsar os jagunços, um alerta foi dado, e os moradores exigiram do Governo um posicionamento que evitasse uma tragédia maior no local.

Na manhã da segunda-feira 12 de janeiro, a Comunicação do Governo do Estado publicou nas redes sociais a decisão do governador Flávio Dino de emitir novo decreto, revogando a decisão do governo anterior para que fossem feitos “estudos de impacto socioambientais”.

A deliberação, ainda que de caráter provisório, foi celebrada como uma vitória da resistência do povo do Cajueiro, associado às demais comunidades e movimentos sociais que lhe deram apoio, como as comunidades vizinhas pertencentes à área da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim (que inclui parte do próprio Cajueiro), as comunidades ameaçadas de despejo em razão da especulação imobiliária no município de Paço do Lumiar, comunidades de outras áreas de São Luís, a Comissão Pastoral da Terra, a Comissão de Regularização Fundiária da Câmara dos Vereadores de São Luís, o Núcleo de Defesa Fundiária da Defensoria Pública, o GEDMMA/UFMA, grupo de estudos com várias pesquisas na área da reserva ambiental do Tauá-Mirim (inclusive monografias, dissertações de mestrado e teses de doutoramento), a CSP-Conlutas Central Sindical e Popular, entre outros apoiadores.

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Um dos exemplos mais gritantes da atuação descarada do Estado para beneficiar a empresa WPR e prejudicar os moradores do Cajueiro foi a realização de audiência pública para concessão da licença prévia no Comando Geral da Polícia Militar, à revelia da comunidade. A partir da intensificação dos ataques aos moradores de Cajueiro, com a edição do decreto de Arnaldo Melo no último dia de seu “governo” e depois de mais casas serem derrubadas na comunidade, a luta ganhou novo fôlego
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 Cajueiro exige segurança

A partir daí, a luta ganhou novo fôlego, com o objetivo de barrar em definitivo os ataques ao Cajueiro, bem como salvaguardar as comunidades do entorno e o meio ambiente na Ilha através da criação da Resex Tauá-Mirim. Aconteceram então várias reuniões com membros do governo para explicar a situação, exigir providências e assegurar o direito á terra por parte das comunidades.

Um desses encontros aconteceu dois dias após a divulgação de revogação do decreto de Arnaldo Melo, na sede da secretaria estadual de Direitos Humanos e Participação Popular. Além da comissão de moradores do Cajueiro e representantes das demais comunidades e seus apoiadores, os representantes de várias secretarias de estado participaram da reunião (Cidades, Igualdade Racial e Segurança Pública). Nesse encontro, além de se detalhar a situação de insegurança no Cajueiro, cobrou-se do secretário Jefferson Portela (Segurança) que desse um basta aos ataques sofridos pela comunidade, representados pela insistência dos agentes da firma Leões Dourados em permanecer no local, mesmo após serem expulsos pelos moradores. Foi cobrada ainda a apuração da participação de forças da polícia quando da derrubada das casas no Cajueiro. Portela comprometeu-se a apurar tudo e, no mesmo dia, esteve juntamente com a cúpula das polícias civil e militar em reunião com a comunidade na União de Moradores para reafirmar o que havia dito. “Se houve ação policial errada, alguém irá responder. Não existe força criminosa nem jagunços que vão prevalecer ante as forças do Estado. Assumo a questão pessoalmente, e quem for designado para tal, vai me prestar relatório diário. A equipe saberá muito bem o que fazer. Tenham certeza de que a ação vai ser de apoio à cidadania plena, e não o contrário disso. Seja quem for que estiver por trás disso, nós vamos responsabilizar em nossos relatórios criminais, seja como for. Nós não temos pacto com isso. As autoridades, ou seja quem for, não têm permissão para praticar crimes. O comando é para a defesa da cidadania, e não tem ninguém que não vá seguir esse caminho, porque o contrário a isso é crime. Derrubada de casas é crime, e isso tem que ser investigado e apurado. Quem fez e quem mandou fazer vai ter que responder. Tudo o que for necessário fazer no aspecto da segurança pública nesse caso será feito”, disse o secretário, afirmando ainda que designaria uma comissão de delegados para acompanhar o caso, e que esta lhe daria relatório imediato sobre a questão. Portela citou ainda que talvez a investigação conseguisse inclusive a apuração de possíveis casos de grilagem apontados pelos participantes da reunião.

Um dos moradores presentes à reunião reagiu às declarações do secretário Portela: “Eu espero, como morador, que o senhor tome essas providências, para que a gente possa sair e ganhar o nosso alimento”, disse. Durante dias a comunidade foi obrigada a manter vigília para evitar o retorno dos ditos seguranças da empresa Leões Dourados. O secretário concordou que, com essa situação, a comunidade não poderia baixar a guarda, e disse que dentro de dois dias a situação de intranquilidade no local iria mudar. “Não vamos assistir a isso sem agir”, afirmou.

Quem também não iria assistir a isso sem agir, no entanto, era a WPR. Tanto que, após as reuniões havidas entra a comunidade e os agentes públicos para tratar da solução do conflito e para pautar a urgência da Reserva Extrativista, ela também procurou membros do Governo Dino em busca de apoio às suas pretensões. Procurou inclusive a secretaria de Segurança. E mais: sua dona, a poderosa WTorre, continua a fazer gestões junto à secretaria de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Sedinc), numa clara demonstração de que não assistirá a luta para que direitos sejam respeitados sem reagir.

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Em reunião com representantes da comunidade e apoiadores do movimento de resistência do Cajueiro, das comunidades da Resex de Tauá-Mirim e demais comunidades ameaçadas na capital maranhense, o secretário se Segurança, Jefferson Portela, afirmou que a situação de intranquilidade na área iria acabar. José da Silva respondeu: “Eu espero, como morador, que o senhor tome essas providências, para que a gente possa sair e ganhar o nosso alimento”. 
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Criminalização – E não apenas isso: está em curso uma operação desses ditos “empreendedores” para aniquilar qualquer voz dissonante: um advogado da CPT já teve aberto contra si processo judicial pela empresa que teria efetuado a “venda” do terreno do Cajueiro para a WPR. Além disso, três lideranças comunitárias tiveram boletins de ocorrência registrados contra eles na polícia, como se, em vez de vítimas, fossem os culpados. Mais um caso de criminalização da luta pelo reconhecimento de direitos que precisa ter resposta por parte da sociedade e dos agentes públicos, nas três esferas de poder, executiva, legislativa e judiciária. E a comunidade do Cajueiro já demonstrou que a resposta é dada com resistência, sem baixar a cabeça e sem permitir que seu direito de existir seja negado.

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 Legítimos moradores são tratados como criminosos pelos donos do grande porto que pretendem instalar na área. Essas violações aos direitos foram asseguradas e compactuadas com os anteriores donos do poder. Espera-se que os novos inquilinos do Palácio dos Leões ajam de modo diferente. Para a Adjunta da Secretaria Estadual de Igualdade Racial, Socorro Guterres, durante reunião na Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, o Terreiro do Egito, que existe no Cajueiro há mais de um século e que está ameaçado pelo empreendimento, constitui-se em uma “simbologia extremamente grande e importante para a raiz de nossa ancestralidade africana e precisa ser preservado. Deve haver um diálogo para articulação entre os responsáveis pelas áreas de Cultura, e com o Iphan, e diversos órgãos para a preservação desse patrimônio imaterial. Além disso, é a própria preservação de sua vida (da comunidade) que está em jogo. E tem também esse aspecto cultural e religioso"
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Depois da revogação do decreto entreguista, a suspensão da licença irregular

Três dias depois da reunião na secretaria de Direitos Humanos, mais uma rodada de negociações ocorreu, dessa vez na secretaria de Meio Ambiente (Sema). Sala lotada, mais agentes participantes, além dos que estiveram na reunião no começo dessa mesma semana: às discussões, somaram-se os representes do Porto do Itaqui/EMAP, Sedinc (secretaria estadual do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão do Ministério do Meio Ambiente que fora responsável pelos estudos que comprovam a viabilidade – e necessidade – da criação da Resex Tauá-Mirim).

Os manifestantes já chegaram ao titular da Sema com duas reivindicações claras: a completa anulação da licença ambiental prévia concedida pela secretaria para a construção do porto na WPR no Cajueiro, em razão de todos os vícios que a licença contém, e a sinalização inequívoca do Governo do Estado para a criação da Resex Tauá-Mirim. Posturas como essas, eles apontaram, são demonstrações objetivas de reais mudanças no Maranhão, e a manutenção das incertezas, por sua vez, indicariam manutenção, também, do modo sujo de fazer política no Estado, tal como a oligarquia Sarney fizera ao longo de todo o tempo que ficou no poder, com negociatas que privilegiam as grandes empresas em detrimento da população local.

Ao longo de várias horas de reunião, eles apontaram ao secretário Marcelo Coelho – que a tudo ouvia sem muito se manifestar – como os governos anteriores criaram mecanismos para garantir, “na marra”, os interesses das empresas implicadas tanto no projeto do megaporto privado, quanto nas tentativas de barrar a criação da reserva ambiental. Um dos exemplos mais gritantes da atuação das ditas autoridades em descarado benefício da WPR/WTorre, contra a população foi a realização de audiência pública para concessão da licença no Comando Geral da Polícia Militar, à revelia da comunidade.

Além disso, os participantes da reunião mostraram como a WPR e a WTorre nunca se fizeram presentes nos espaços institucionais da Câmara de Vereadores e da Assembleia Legislativa para debater o assunto. E mais: como elas coibiram violentamente o direito de ir e vir dos moradores. Como estes correram, com essa situação, risco de vida, e como tiveram suas casas derrubadas. Como a empresa não cumpre determinação judicial, afetando, com seu projeto, parte da área prevista para criação da Resex (área resguardada por decisão da Justiça Federal). Como a empresa usou de pressões de todo o tipo para remover moradores do local. Como todo esse projeto deve ser imediatamente revisto, por, segundo a Defensoria Pública, demonstrar-se inviável para a região. Como, enquanto a questão da propriedade não for resolvida, não tem como o processo pretendido pela WPR/WTorre seguir. E como, em razão de tudo isso, nada restaria a fazer a não ser a anulação da licença concedida pelos governos Roseana Sarney e Arnaldo Melo.

Kátia Barros, do Centro Nacional de Populações Tradicionais (CNPT), órgão vinculado ao ICMBio, afirmou que a orientação desse órgão federal é pela anulação da licença, por várias razões: o local é de interesse da União, já que está na área de abrangência prevista para a criação da Reserva do Tauá-Mirim, e ela (a União) sequer fora consultada – apenas depois de o ICMBio e o CNPT solicitarem é que lhes foram apresentados os relatórios de impacto ambiental, nos quais foram detectadas várias falhas. Os órgãos ambientais estaduais das gestões anteriores travaram qualquer diálogo com os órgãos federais sobre a questão, ela apontou. A representante do CNPT colocou-se à disposição (como já havia feito, reiterou), para debater a questão, confirmando o apoio do órgão à criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim.

Depois de ouvir moradores, parlamentares, servidores públicos e militantes sociais por horas, o secretário, em menos de 10 minutos, resumiu sua fala ao anúncio da suspensão da licença, alegando que a completa anulação – que atenderia a orientação sinalizada pelo governador ao revogar o decreto de Arnaldo Melo – somente poderia acontecer depois de se debruçar, juntamente com sua equipe, sobre a questão. Ele estabeleceu prazo de aproximadamente 10 dias para anunciar a decisão derradeira sobre a licença, e ficou de apresenta-la até o final de janeiro, diretamente à comunidade. Em relação à disposição do Governo Estadual para a criação da Resex, entretanto, ele foi mais evasivo (ainda que a manifestação de vontade seja privativa do governador, é papel da Sema orientar-lhe nesse sentido): quanto a esta, não deu prazo, limitando-se a afirmar que a questão também seria estudada.

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Bartolomeu Mendonça, professor, pesquisador e doutorando em Ciências Sociais, destaca que, para a implantação de apenas dois empreendimentos na área (Vale e Alcoa), dezenove comunidades deixaram de existir: “Para a implantação da Vale e da Alcoa, dezenove comunidades foram arrancadas da sua área. Isso não é pouca coisa: São dezenove que foram dizimadas, e serão mais doze se não se fizer uma atuação forte, após décadas de abandono, sem escola, saneamento, postos de saúde”. As doze comunidades ameaçadas a que ele se refere são as comunidades que reivindicam a criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim: Porto Grande, Limoeiro, Taim, Rio dos Cachorros, parte do Cajueiro e da Vila Maranhão, e todas as que se situam na ilha de Tauá-Mirim, próxima ao Porto da Alumar/Alcoa. Ao sul de São Luís.
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Patrimônio – Enquanto isso, as grandes corporações, que a cada dia transformam a Zona Rural de São Luís em terra de ninguém, prosseguem com a destruição justificada em nome do “progresso”. As comunidades seguem sua luta para sobreviver, inclusive como guardiães de parte da História do Maranhão, que ajudam a contar: no Cajueiro, por exemplo, resiste o Terreiro do Egito, primeira casa de culto afro do Estado, que pode estar seriamente comprometida caso o secretário de Meio Ambiente não apresse um pouco seus estudos sobre o processo de criação da reserva, que está pronto há anos e segue parado em razão do conluio existente entre grandes empresas e agentes públicos. Sobre o Terreiro do Egito, uma mostra de como o poder público pode se aliar a corporações e deixar de lado seu caráter efetivamente público: o Iphan/MA (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que deveria se pronunciar sobre os sítios arqueológicos da área e a necessidade de se preservar este importante símbolo das religiões afro-maranhenses, deu seu “de acordo”, sem maiores estudos, ao projeto da WPR, alegando não ter relevante interesse histórico ou cultural na área, rasgando elogios ao projeto.

Sobre a luta do Cajueiro e das comunidades que exigem a Resex, mesmo boa parte da mídia não-alinhada ao sarneysmo começou a noticiar a resistência da população apenas depois do decreto do Governador, como se temesse publicizar a questão sem um assentimento das autoridades para fazê-lo.

Reserva do Tauá-Mirim: mais que viável, necessária

Para o professor e pesquisador Bartolomeu Mendonça, discutir a questão do Cajueiro isoladamente não tem muito sentido, haja vista o ataque desferido por poderosos grupos empresariais a todas as comunidades da área, o que vem criando, segundo ele, “refugiados do desenvolvimento”. Um exemplo que corrobora a tese dos “refugiados” vem de uma comunidade da região: a Vila Madureira foi removida para dar lugar à Usina Termelétrica Porto do Itaqui, remoção propagada pela MPX, empresa dona da termelétrica à época, como exemplo de deslocamento feito com respeito à comunidade (os moradores foram levados para uma área a quilômetros de distância, e tiveram seus modos de vida e reprodução social drasticamente afetados): atualmente há vários relatos de várias famílias que tentam retornar, sem sucesso, para a região. Bartolomeu faz um alerta: “Para a implantação da Vale e da Alcoa, 19 comunidades foram arrancadas da sua área. Isso não é pouca coisa. São 19 que foram dizimadas, e serão mais 12 se não se fizer uma atuação forte, após décadas de abandono, sem escolas, saneamento, postos de saúde que funcionem regularmente”. As 12 comunidades ameaçadas a que o professor faz referência são as comunidades que reivindicam a criação da Resex Tauá-Mirim: Porto Grande, Limoeiro, Taim, Rio dos Cachorros, parte do Cajueiro e da Vila Maranhão, e mais todas as que se situam na ilha de Tauá-Mirim, próxima ao Porto da Alumar/Alcoa.

O abandono, por mais que pareça mero descaso, atende os interesses das corporações que pretendem dominar a região e ver as comunidades fora dali. Os pescadores do Cajueiro, por exemplo, citam a falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais, o que favorece a atuação das empresas poluidoras. “Hoje não há fiscalização da atuação das empresas na área, que fazem o que querem. Hoje em dia já vimos manguezais cobertos por pó de alumínio”, contam. Isso pode afetar inclusive a segurança alimentar na capital maranhense. Um exemplo é a pesca de camarão sete-barbas: eles contam que o Cajueiro é uma área de abundância dessa espécie, e todas as comunidades da Ilha vão até lá pescar, o que abastece São Luís. Retirando-se as comunidades e continuando o avanço das atividades poluentes na região, essa e outras espécies estarão gravemente ameaçadas.

Viviane Vazzi, doutoranda em Ciências Sociais, aponta uma extensa narrativa dos moradores da área sobre violações de direitos, como pode ser visto mais cruamente no caso do Cajueiro, e o reconhecimento da reserva apontaria em outra direção: a do reconhecimento das populações centenárias da Ilha. Além disso, ela diz: “Tratam a Resex como se fosse um projeto, como se não existisse, sendo que ela já foi completamente aprovada, dependendo hoje apenas de um ato público de reconhecimento. Sua viabilidade já foi completamente atestada. Enquanto isso, o Governo passado tratou o porto no Cajueiro como se fosse fato consumado, e assim trabalharam tanto a Sema quando a Sedinc. Uma reserva que está no ponto de ser criada e é tratada como um projeto, e um porto privado apenas com um questionável licenciamento ambiental prévio é tratado como fato consumado!”, expressou.

Opinião semelhante tem o defensor público Alberto Tavares, para quem as atitudes da subsidiária da WPR afrontam uma decisão judicial (que resguarda o uso e a posse da comunidade sobre o local em que habitam há décadas), além de infringir o zoneamento urbano, segundo tanto a legislação vigente quanto em relação ao que a Secretaria Municipal de Urbanismo determina para o local. “Essa instalação é incompatível e inviabiliza a vida na zona rural. Essa tentativa de instalação de um grande porto privado no Cajueiro repercute em toda a Zona Rural de São Luís, bem como na agricultura e na pesca, e ataca o direito ao meio ambiente equilibrado, que é um direito humano”, aponta.

Para Beto do Taim, pescador e morador do Taim (área da Resex), membro da Comissão Nacional pela Criação de Reservas Extrativistas Marinhas e Costeiras, em vez de se pôr o Estado a serviço das grandes corporações, este deveria ter um olhar mais sensível para as comunidades, para a população. “As comunidades não têm tido retorno em 30 anos de implantação de problemas no local (grandes projetos). Temos prejuízos visíveis, como a perda de espaço para a pesca. No espaço que vai desde o Itaqui até a Alumar, a área foi praticamente toda privatizada, onde a pesca está quase que impedida e você não tem sequer a quem se queixar. Foram milhares de hectares entregues a grandes empresas desde os anos 1980. Somente para a Alcoa foram quase 14 mil hectares, e hoje o Estado se nega a dar quatro mil hectares para as comunidades criarem a Reserva Extrativista do Tauá-Mirim (área considerada em terra firme, fora o espelho d’água que faz parte da Reserva e é utilizado para a pesca pelas comunidades). O Estado sempre participou das negociações para a criação da reserva, sempre foi consultado, e depois ignora todo esse processo e impede a criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim. Para apenas dois empreendimentos, Vale e Alcoa, foram praticamente 20 mil hectares, e sonegam quatro mil hectares de terra para as comunidades. Não dá para entender, a não ser que se veja nesse contexto, em que não dá para separar onde é o interesse do Estado e onde é o interesse das empresas, haja vista até recentemente um representante delas estar na Secretaria de Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Maranhão”, desabafou. O secretário a que Beto se refere é Maurício Macêdo, que deixou seu posto na Alcoa para ser o titular da Sedinc dos governos Roseana Sarney e Arnaldo Melo.

Para os militantes, o que falta para a criação da reserva em São Luís é apenas vontade política. A Resex Tauá-Mirim, além de dar tranquilidade aos seus moradores, representa, ainda, a criação de um importante espaço de pesquisas, de preservação de reservas de água, de fauna e de flora. Além dela, outras quatro reservas aguardam “ok” do Governo do Estado para serem criadas pelo Governo Federal. A ambição das empresas pelo território é tamanha que, no final do ano passado, o então secretário Maurício Macêdo fez chegar à sede do ICMBio, em Brasília, uma negociação controversa, mas que aponta para o que está em jogo e os interesses que defendia nessa questão enquanto secretário estadual: o Governo do Estado daria seu aval à criação das demais reservas caso se desistisse do processo de criação da Reserva de Tauá-Mirim. É esse tipo de chantagem envolvendo a vida de milhares de pessoas que precisa acabar, apontam. Para o professor e pesquisador Élio Pantoja, acima de tudo o que está em questão é a vida. “A vida das pessoas, e não das empresas. Podemos ser pioneiros, com a implantação da Reserva, de aproximação entre os saberes, guardados por essas comunidades, postos a serviço de toda a sociedade. A Reserva é uma forma inovadora e ao mesmo tempo transformadora de preservação socioambiental”, pondera.

Do atual Governo Estadual espera-se respeito aos direitos das comunidades, não permitindo que as secretarias de Estado se transformem em balcão de negócios ou meros escritórios das corporações. Caso queira realmente apontar para novos tempos de mudança no trato à população do Maranhão, as populações da Ilha de São Luís apontam o caminho. Um dos primeiros, mais importantes e emblemáticos passos nesse sentido, de se diferenciar realmente do modo de fazer politicagem que tem caracterizado as relações entre agentes públicos e a sociedade, é a criação imediata da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que não pode mais esperar.