quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Veja a Carta Aberta das religiões de Matriz Africana em Defesa do Cajueiro e do Terreiro do Egito

PELO TERREIRO DO EGITO E TERRITÓRIO DO CAJUEIRO

Nós, comunidades tradicionais de matriz africana, descendentes do Terreiro do Egito e as comunidades que compõem o território do Cajueiro - Guarimanduba, Parnauaçú, Andirobal e Cajueiro - vimos através desta Carta, manifestar nossa unidade em torno da defesa de nossa história, de nossos antepassados e de nossa herança cultural.

O território das comunidades tradicionais do Cajueiro está localizado na Zona Rural II de São Luís-MA, na porção sudoeste da Ilha, às margens da baía de São Marcos, sendo o acesso principal pela BR-135 nas proximidades da Vila Maranhão. O Terreiro do Egito, lugar sagrado para as religiões afro-brasileiras, cujas narrativas remontam ao Século XIX, é um dos mais antigos do Brasil e está situado no território do Cajueiro.

Pai Euclides da Casa Fanti-Ashanti, em seus escritos de memória e em entrevistas registradas em pesquisas nos conta que o Terreiro do Egito era chamado de Ilê Nyame e que foi fundado nos meados de 1860-70 por Basília Sofia, uma negra, cujo nome privado era Massinocô Alapong, vinda de Cumassi, Costa do Ouro, atual Gana. Basília Sofia, teria chegado à São Luís em 1864 e falecido em 1911. A partir de 1912, o Terreiro passou a ser chefiado por uma outra negra, chamada Maria Pia, que o liderou por cinquenta e cinco anos.

Pai Jorge, do Ylê Ashé Yemowa- Abê ou ‘Casa de Iemanjá’, narra que o Terreiro do Egito era Jeje-Nagô e Cambinda sendo responsável pelo surgimento de várias linhas de encantados no Tambor de Mina (Família de Marinheiros, Botos, Sereias, Bandeira, Gama, entre outras). Diz também que antes da abolição, a localidade era um quilombo, “um esconderijo de negros fugidos” e que ficava numa ponta de terra por trás do local onde foi construído o Porto de Itaqui, no alto de um morro, no centro do terreno, também chamado de ‘Ponta do Quilombo do Egito’; esse terreiro foi assentado por velhas africanas com os voduns: Lissá, Vó Missã, Navezuarina, Xapanã, Ewá e Toy Averequete. O terreiro do Egito é, portanto, a memória viva de muitos terreiros.

Pai Euclides, assim como Pai Jorge, fala que o morro onde se situa o Terreiro, serviu de quilombo, pois para lá iam negros embarcados fugidos da opressão, das regiões de Cururupú, Guimarães, entre outras. A senhora Maria José Araújo, a mais antiga moradora do Cajueiro, hoje com mais de 90 anos, lembra, assim como Pai Euclides e Pai Jorge, que inúmeros praticantes do Tambor de Mina da ilha de São Luís e de outras regiões frequentavam o Terreiro do Egito, um lugar onde poderiam realizar seus cultos, já que se tratava de um local mais distante da cidade, para onde se deslocavam principalmente de embarcações, dada a dificuldade de acesso por terra naquela época. Assim como estes, os seus descendentes continuam buscando na memória a história, as nossas histórias, e nas imagens que tinham de cima do morro, na virada da noite de 12 para 13 de dezembro, quando os (as) encantados (as) apareciam e avisavam que o navio iria chegar, e ao som dos tambores e cânticos, avistava-se o Navio de D. João, iluminado!

Os registros apontam que Pai Euclides é da primeira geração dos descendentes do Terreiro do Egito e ficou responsável pela Casa Fanti-Ashanti até 2015 quando faleceu. Há, entretanto, outros descendentes da primeira geração que por sua vez foram constituindo seus próprios terreiros, surgindo novas gerações de mães e pais de santo. Para citar alguns pais e mães de santo da primeira geração do Terreiro do Egito, temos Mãe Margarida Mota (Lira), Pai Jorge Itacy de Oliveira (Fé em Deus), Pai Manuel Curador (Pão de Açúcar), Pai Zacarias (Maioba), Memê (de Guimarães), Rafina (do Cajueiro), todos (as) já falecidos (as), mas que seus descendentes continuam a manter viva a religião e a memória destes.

A defesa pela preservação e reconhecimento como lugar sagrado do Terreiro do Egito, não é uma luta isolada! Confunde-se com a nossa luta pela defesa do território do Cajueiro onde está situado. Batalha que vem sendo travada há décadas, por homens e mulheres de coragem, verdadeiros guardiões desse território, mas que vêm sofrendo ameaças e violências e intimidações de todo modo por aqueles que querem dele se apropriar, torná-lo mercadoria: ameaça por deslocamento para instalação de indústrias e empreendimentos portuários, ameaças pela poluição ambiental, ameaça pela destruição dos bosques de mangue que protegem o território sagrado. Nossos peixes, nossa água, nossos rios e igarapés, nosso solo e o ar que respiramos, são fundamentalmente, elementos conectados com a vida comunitária nesse território étnico. Somos uma comunidade e não queremos sair do lugar onde nascemos, crescemos e nos tornamos comunidade: somos pescadores e pescadoras, lavradores e lavradoras, extrativistas, somos povos tradicionais, remanescentes de quilombos! Exigimos políticas sociais voltadas à pesca e a agricultura, exigimos escolas, serviços de saúde, melhorias e pavimentação da estrada, melhorias nos transportes, fiscalização às empresas poluidoras por parte dos governos; exigimos a preservação da natureza e o respeito ao nosso modo de viver, ao nosso modo de ser e de sonhar, de praticar nossas religiões livremente!

Ao entorno do Terreiro do Egito, além do Cajueiro, há inúmeras comunidades centenárias que lutam pelo reconhecimento de seus direitos e já declararam criada em maio de 2015 a Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, uma modalidade de Unidade de Conservação prevista em Lei que garante a permanência das comunidades em seus territórios e vem ao encontro dos anseios em preservar o Terreiro do Egito. A assinatura do Decreto Presidencial para instalação da Reserva Extrativista, ainda aguarda uma decisão política através de uma carta de anuência do Governador Flávio Dino.

Em toda diáspora afro – americana, o Maranhão se configura pela singularidade de ter sido o único local no qual o Tambor de Mina se constituiu como religião matriz dos cultos africanos, fundada em meados do século XIX na capital. O Terreiro do Egito, juntamente com a Casa das Minas, a Casa de Nagô e o Terreiro da Turquia, são as matrizes das comunidades afrorreligiosas no Estado. O Terreiro do Egito é um lugar sagrado e merece ser respeitado; é um símbolo de resistência, pois enfrentou os limites impostos por uma sociedade marcada pela escravidão; enfrentou todos os tipos de intolerância religiosa e cultural. Resistiu e resistirá! Seus herdeiros hoje lutam pelo seu reconhecimento, pela sua importância para o povo do Maranhão e para a história do Brasil.

São Luís, 22 de Novembro de 2015
Comissão de representantes do Terreiro do Egito

Veja o vídeo da leitura da Carta Aberta, feita no dia da Caminhada do Cajueiro ao Terreiro do Egito, com a participação dos representantes das religiões de Matriz Africana. A leitura foi feita por Natan, morador de Cajueiro. A Caminhada aconteceu na manhã do domingo, 22 de novembro de 2015, quando foi levantado o Mastro no Terreiro do Egito simbolizando a Defesa daquele Território e das Comunidades do Entorno, cujas histórias estão ligadas e precisam ser preservada. A seguir fotos dessa manhã histórica no Cajueiro. Na sequência, matéria da TV Brasil sobre esse importante momento.